Diálogo

- Oi Alessandra, tudo bem?

- Tudo. Quem é você?

- Ah, você me conhece muito bem. Estamos sempre conversando. Até brigar, já brigamos. Já falei muito com você. Você até que me ouve. Mas sabe aquela coisa de que santo de casa não faz milagre?

- Hum...

- Pois é. Mais ou menos assim é a nossa relação. Eu sou o santo da sua casa, praticamente seu anjinho da guarda. Mas ainda não consegui operar milagres...

- O que você quer dizer com isso?

- Posso te fazer uma pergunta?

- Claro.

- Você está feliz com a sua vida?

- Como assim?

- Você está satisfeita com o que você está fazendo com a sua vida?

- Você está entrando num terreno delicado.

- Eu sei.

- Sim e não.

- Sim e não?

- É. Sim e não.

- Por que sim?

- Sim porque, graças a Deus, estou bem de saúde. Não diria 100%. Mas por minha total culpa. Vamos colocar uns 92%. Percentual que me dá condição de fazer tudo que quero. Sou muito feliz por ter condição física de fazer as coisas que quero.

Sim porque tenho uma casa linda no lugar que eu queria. Talvez não na cidade que eu queria, mas, já que estou aqui, é o melhor lugar que eu poderia estar morando. A casa é linda, decorada com todo o meu bom gosto, tem uma vista linda, passarinhos, piscina, tudo de bom.

Sim porque estou numa fase ótima do meu casamento. Porque meu marido é companheiro, temos muitas afinidades, me apoia em tudo que eu quero fazer, acredita no meu potencial.

Sim porque meus pais estão vivos e bem. Porque são especiais e sempre buscam me dar o melhor. Porque meu sobrinho é um querido e será um grande homem. Sim porque, mesmo com os problemas, minha relação familiar é sadia. Acredito que muitos dos meus traumas e inseguranças são culpa da minha mãe, mas ela sempre quis o meu bem. Só não sabe lidar com as inseguranças dela e as joga em mim.

Sim porque tive ótimas oportunidades na vida e porque tenho um emprego hoje. Não é meu ideal, mas me ajuda a fazer um monte de coisas que gosto.

Sim porque eu acho que tenho uma forma de ver o mundo diferenciada. Sei apreciar o que é belo, sei apreciar o que é bonito nas relações. Eu vejo coisas que as pessoas comuns não veem. Eu tenho interesse por coisas que os normais não têm. E eu gosto disso. Só não gosto de não ter muito com quem compartilhar essa visão.

Sim porque eu viajo bastante. Conheço lugares lindos. Tive uma experiência maravilhosa quando morei fora. Sou uma abençoada em vários sentidos.

- E o não? Onde está?

- Não porque sou demasiado insegura para correr atrás dos meus sonhos. Porque eu estudei e me preparei para atuar na área que eu amo e não consigo ir atrás disso.

Não porque, apesar do preparo, estou muito aquém do que eu gostaria estar. Porque ainda não tenho o conhecimento que eu gostaria. Porque me sinto uma farsa. Porque sou orientada por minha preguiça e meus complexos. Porque permito que as frustrações da minha família me impeçam de seguir adiante. Permito também que os maus julgamentos de pessoas perto de mim se comprovem por falta de eficiência minha.

Não porque acho que ganho pouco. E me sinto aprisionada, como se não pudesse seguir adiante. Porque tem alguma coisa dentro de mim que me força a ser uma pessoa ordinária. Mas eu sei que eu não sou. Sou diferente e, desculpe a franqueza, sou melhor que muita gente por aí. Mas não sou tão corajosa quanto essas pessoas. E elas estão melhores na vida que eu.

Não porque não sou uma realizadora de sonhos. Porque permito que os outros tomem as rédeas da minha vida.

Não porque eu quero me destacar e não consigo. E o pior é que eu sei que a culpa é só minha. Deus deve estar muito puto comigo por ter me dado tanto talento que eu estou desperdiçando...

- Mas não é possível. Eu te aviso todos os dias que você está desperdiçando seus talentos. Eu causo inquietudes em você. Dores. Raiva. Eu sou a voz, dentro de você, que te fala para seguir adiante. Sou eu, Alessandra, eu. Todos os dias, te acordo com uma angústia no peito pra ver se você age. Sou eu que te dou ideias extraordinárias. Por que você não me ouve? Eu sou o santo da sua casa que não opera milagres. Você não me deixa fazer isso com você.

- Mas quem é você?

- Você ainda tem dúvidas? Eu sou você, sem máscaras. Ou melhor, com as máscaras que VOCÊ escolheu atuar. Você tem as máscaras dos outros. Eu tenho as suas. Aquelas que têm a sua medida e que vão te fazer ficar linda na foto.

- E por que não consigo vestir essas máscaras, já que são minhas?

- Isso, VOCÊ e só você precisa descobrir. Eu estou aqui, do seu lado, dentro de você, do seu mais profundo desejo e sonho. Estou só esperando que me deixe atuar...

amigos, amigos... amigos a parte

eu escrevo aqui coisas que eu só queria contar para você. mesmo que você nem veja.

acabei de voltar de férias, 15 dias longe e em outro país. foi tudo muito bom. claro, coisinhas me irritaram. principalmente, as que descobri e que sempre estiveram ali.

nem vou perder tempo explicando muito bem isso. são coisas bobas, como aquela pelinha da unha que você puxa e incomoda um pouco, mas nem por isso vai fazer você ficar lembrando disso o tempo todo.

mas me incomoda o fato de ter me incomodado. eu queria ser mais como vinícius de moraes. amigo de todas as horas, casa aberta sempre, apreciando o lado bom das coisas. a bebida, dizia ele, que ajudava a "poder tudo" (é, amigo, eu também sinto isso). e dizia ainda que só gostava do mundo depois da segunda dose.

mas a gente não muda assim, da noite pro dia, quem é, não é?

e eu era muito assim quando vivia em goiânia. sinto falta desse lado. nem tanto da química no sangue em si - sim, essa às vezes faz falta - mas desse lado de ter tantos amigos e tanta gente divertida e interessante do lado. e não acho que isso seja coisa de uma certa fase ou idade. tem gente que morre assim, rodeado de muitos bons e velhos e companheiros amigos.

mas na falta das pessoas, acho que é bom procurar outros velhos amigos - artes, música, filmes e bons livros. e, claro, vez ou outra aquele melhor amigo do vinícius... um cachorro engarrafado.